Presidente da Alerj é preso por ajudar TH Joias a se esconder da PF na Operação Zargun
Quando a Polícia Federal bateu à porta de Barra Olímpica na madrugada de 3 de setembro de 2025, Thiago Raimundo dos Santos Silva, conhecido como TH Joias, já havia sumido — ou assim pensou ele. O que a PF descobriu, porém, foi muito pior do que um simples esconderijo: um esquema de alto nível, com apoio de um dos homens mais poderosos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Agora, o presidente da casa, Rodrigo Bacellar, está atrás das grades, acusado de ter sido o cérebro por trás da fuga de TH Joias — e de ter sabotado uma das maiores operações contra o crime organizado no Rio nos últimos anos.
Como um deputado virou o '01' de um traficante
A história começa com uma mensagem de WhatsApp. Às 22:30 do dia 2 de setembro de 2025, Thárcio Nascimento Salgado, assessor parlamentar de TH Joias, enviou ao deputado o endereço exato de um apartamento na Barra Olímpica: bloco, andar, número. O mesmo endereço onde a PF encontraria TH Joias no dia seguinte — mas não antes de ele ter tido tempo de se preparar. O que a PF descobriu foi que, horas antes, TH Joias havia trocado de celular e adicionado Rodrigo Bacellar como o primeiro contato na nova agenda. Ele o chamava de '01'. Bacellar respondeu com um emoji. Para os investigadores, isso não foi coincidência: foi confirmação de que ele já sabia tudo.Naquele mesmo dia, o apartamento de TH Joias em Barra da Tijuca foi esvaziado. O sistema de segurança da residência foi fotografado — e a imagem enviada à PF foi capturada por agentes que, horas depois, entraram no local para cumprir mandado. O traficante não só sabia que a operação estava chegando, como estava monitorando cada movimento da polícia.
Um presidente que agiu como um cúmplice
O que separa esse caso de outros de vazamento de informação é a gravidade da conexão hierárquica. Bacellar não era um funcionário qualquer. Ele era o presidente da Alerj, o homem que tem acesso a documentos sigilosos da Polícia Civil, da PF e até de órgãos do Ministério Público. Segundo os documentos da operação Unha e Carne, ele não apenas avisou TH Joias — orientou o deputado a destruir provas. A PF afirma que essa ação foi 'inequívoca' e que Bacellar 'agiu como agente político anômalo na cadeia hierárquica em que transitam informações sigilosas'.Na manhã de 3 de dezembro de 2025, ele foi preso dentro da sede da PF no Rio, enquanto participava de uma reunião. A prisão foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que também expediu oito mandados de busca e apreensão. Eles foram cumpridos no escritório de Bacellar, no 8º andar do prédio da Alerj em Largo da Carioca, e em seu apartamento em Botafogo. Nada foi poupado: pastas, computadores, celulares, até os registros de reuniões privadas foram levados.
Quem é TH Joias — e por que ele era tão perigoso
Thiago Raimundo dos Santos Silva, o TH Joias, não era apenas um deputado com problemas. Ele era um elo entre o mundo político e o crime organizado. Acusado de tráfico internacional de drogas, lavagem de dinheiro e fornecimento de armas ao Comando Vermelho, ele usava seu mandato para proteger facções criminosas e movimentar recursos ilícitos. Sua rede incluía militares da PM, delegados da PF e até ex-secretários do governo estadual.Na mesma operação, foi preso o delegado Gustavo Steel, que, segundo a PF, comprava fuzis no Paraguai e os vendia ao CV. Outro nome chocante: Alessandro Pitombeira Carracena, ex-secretário da prefeitura e do governo do Rio, também foi indiciado. Ao todo, 18 pessoas já foram acusadas — e Bacellar é o primeiro presidente de uma assembleia legislativa no Brasil a ser preso por obstrução direta de uma operação da PF.
Os outros envolvidos — e por que um assessor está solto
Enquanto TH Joias está na cadeia e Bacellar foi preso preventivamente, Thárcio Nascimento Salgado segue com tornozeleira eletrônica. A PF o acusa de lavar dinheiro para o tráfico na Senador Camará, mas não o prendeu. Por quê? Porque ele teria colaborado com a investigação — e os procuradores acharam que sua liberdade condicional poderia ajudar a desvendar mais conexões. É uma jogada arriscada, mas comum em operações complexas. Ainda assim, muitos questionam: como alguém que entregou o endereço de esconderijo de um traficante não é preso?Na última semana, TH Joias foi transferido do complexo de Gericinó para a sede da PF, onde será submetido a uma 'acareação' com Bacellar — um confronto direto entre os dois, gravado e analisado por juízes. O objetivo: descobrir se o presidente da Alerj teve contato direto com outras facções, ou se sua atuação foi isolada.
O que isso muda na política do Rio
Esse caso não é só sobre corrupção. É sobre o colapso da confiança. Quando um presidente da Alerj, eleito por milhares de eleitores, se torna o '01' de um traficante, a população perde a noção de quem protege e quem protege o crime. A Alerj já entrou em crise: a presidência foi assumida temporariamente por um vice, mas a sensação é de que o poder legislativo estadual está em estado de emergência.Na semana passada, a Procuradoria-Geral do Estado anunciou que vai investigar todos os deputados que tiveram contato com TH Joias nos últimos dois anos. A expectativa é de que novas prisões e afastamentos aconteçam nos próximos 30 dias. Enquanto isso, o governo do Rio tenta apagar o fogo — mas o fogo já se espalhou.
Os próximos passos da justiça
Ainda não há data para o julgamento de Bacellar, mas a PF já entregou o inquérito ao Ministério Público. A acusação pede prisão por 30 anos por obstrução de justiça, corrupção passiva e auxílio ao tráfico. O advogado de Bacellar nega qualquer envolvimento, dizendo que os emojis foram mal interpretados. Mas os registros de chamadas, as mensagens apagadas e os dados de geolocalização não mentem.Enquanto isso, a população do Rio assiste, impotente. Porque, afinal, quando o político que jurou proteger a lei se torna o primeiro a quebrá-la, quem ainda acredita que a justiça é cega?
Frequently Asked Questions
Como a Polícia Federal descobriu que Bacellar estava envolvido?
A PF interceptou mensagens de WhatsApp entre TH Joias e seu assessor, Thárcio Nascimento, que revelaram o envio do endereço de esconderijo. Além disso, Bacellar aparecia como primeiro contato no novo celular de TH Joias, trocado no mesmo dia da operação. A resposta com emoji foi interpretada como confirmação de conhecimento prévio. Registros de chamadas e geolocalização confirmaram que Bacellar estava em contato constante com TH Joias nas horas que antecederam a operação.
Por que Thárcio Nascimento não foi preso?
Thárcio Nascimento foi submetido a medidas cautelares alternativas — tornozeleira eletrônica e proibição de uso de redes sociais — porque a PF acredita que ele pode fornecer informações sobre outras ligações entre políticos e o tráfico. Embora tenha entregue o endereço de TH Joias, ele pode ter conhecimento de outros esquemas. A estratégia é usada em operações complexas para obter mais delações, mesmo que isso gere controvérsia.
Qual foi o impacto da Operação Zargun no crime organizado do Rio?
A operação desmantelou uma rede que ligava o tráfico internacional à política estadual, com 18 indiciados, incluindo delegados da PF e membros do Comando Vermelho. A perda de TH Joias como intermediário enfraqueceu a capacidade de financiamento e logística das facções. Ainda assim, a PF alerta que novas redes estão se formando, e a corrupção institucional continua sendo um desafio estrutural.
Bacellar ainda é deputado?
Não. TH Joias foi afastado imediatamente após sua prisão em setembro, e Bacellar foi preso em 3 de dezembro. A Alerj já decretou seu afastamento automático por decreto legislativo, já que a prisão por crime hediondo impede o exercício do mandato. O vice-presidente assumiu a presidência interinamente, e a cassação do mandato de Bacellar será votada em plenário nos próximos 60 dias.
O que acontece agora com a investigação?
A PF está analisando mais de 12 mil mensagens e 300 horas de gravações. A expectativa é de que novos nomes sejam revelados, especialmente entre assessores de outros deputados. A acareação entre Bacellar e TH Joias pode gerar novas delações. O Ministério Público também investiga se houve financiamento de campanhas eleitorais com recursos ilícitos, o que pode abrir um novo capítulo da operação.
Isso já aconteceu antes no Brasil?
Nunca antes um presidente de assembleia legislativa foi preso por auxiliar diretamente a fuga de um investigado em operação da PF. O caso mais próximo foi em 2020, com um deputado estadual em Pernambuco que foi afastado por suspeita de favorecimento, mas sem prisão. O caso do Rio é único pela gravidade, pela hierarquia do envolvido e pela evidência digital concreta — algo que torna a condenação quase certa.